sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

CARTA DE DESFILIAÇÃO AO PSOL

CARTA DE DESFILIAÇÃO


Por Gustavo Mercês

Fundador e ex-dirigente estadual.


“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,

Porque serão fartos” Mateus 5:9



A vida é feita de iniciativas, intervalos e sonhos. Conhecemos quando, como e porquê começamos, mas não somos capazes de assegurar onde iremos chegar. Na vida política, engajamos em ideais, fomentamos sonhos e construímos perspectivas, visando um horizonte. Assim, em 2004, um jovem garoto recém ingresso na universidade, outrora desanimado com os descaminhos da estrela vermelha que embalou boa parte de sua adolescência estudantil secundarista-cefetiana, passa a participar de um movimento pró fundação de um partido de esquerda socialista e democrático que iria mais tarde fundar na Bahia o atual PSOL. Acreditava que ali nascia um partido capaz de reivindicar bandeiras históricas da classe trabalhadora e com vocação para dialogar e construir um novo projeto societário entre seus iguais, o povo brasileiro.



Entusiasmado com as promessas de próspero vigor oriundo das lutas protagonizadas pelos movimentos sociais, acreditei que o PSOL seria capaz de assumir a condição de alternativa real e com vocação popular, capaz de se inserir em um projeto de inclusão social, redução das desigualdades sociais, combate à concentração de renda e ampliação da democracia e da esfera dos direitos.



Desde a fundação sempre ocupei as responsabilidades de dirigir o partido em minha cidade e estado, sendo em 2006 candidato a deputado estadual pela legenda. Coordenei a última candidatura vitoriosa a governo com o companheiro de sempre Marcos Mendes. Nesse percurso conheci pessoas que acreditam e lutam verdadeiramente pelos seus ideais como os revolucionários Valdísio, Guilherme, Tiago Paixão, Marcelle, João Machado, Arlei entre outros espalhados por esse país.



O programa do PSOL desde a sua fundação expressava um conjunto de bandeiras e proposições acumuladas pela esquerda brasileira que buscavam a liberdade sem abrir mão da democracia. Éramos um conjunto de organizações de diversas matizes ideológicas que se abrigaram nessa legenda em pró de construir um partido de esquerda com vocação popular, sem ter muitas garantias do que esse PSOL seria depois de alguns anos, congressos e eleições.



Os últimos congressos nacionais apontaram para uma hegemonia de tradições de esquerda que em determinados momentos para ocupar espaços institucionais e vagas no parlamento tendem para um afrouxamento de suas exigências no campo das alianças partidárias em eleição, sem necessariamente perder o discurso esquerdizante e o forte apelo a segmentos sociais que entendem estratégicos na consolidação política dentro da sociedade. Discursos carregados de sectarismo e voltados essencialmente para parte da sociedade que vislumbra influenciar. Assim o partido fez do debate acessório do aborto o tema central de sua política, assumindo forte ativismo “de trincheiras” sob uma maniqueísta e extremista opção de “declarar guerra a quem finge te amar”. Percebendo a radicalização do ativismo LGBTT, essencialmente ateu e anti-evangélico, esse partido erigiu enormes paredes a fim de colocar em suas elaborações autoritárias do lado dos homofóbicos todos aqueles que não defendam o homossexualismo como projeto societário, mesmo que isso represente reforçar uma intolerância religiosa e um distanciamento da possibilidade de diálogo com os cristãos brasileiros. O aceitável seria para eles, um cristão abrir mãos de suas crenças religiosas e “sair do armário” e negar tudo que acreditam no campo da espiritualidade.



Na corrente que fiz construir, fui alvo de ataques por alguns membros que não concebiam o meu direito, mesmo que minoritário, de continuar expressando minhas posições quanto a não legalização do aborto, a não aprovação de lei de incentivo ao ódio e a discriminação (a PLC 122) e resoluções tomadas por setoriais como o da juventude defendendo a legalização da maconha. Minhas teses não foram publicadas em cadernos congressuais e não sentia que o partido estava disposto a permitir que essas posições, entendidas por alguns como conservadoras, fossem apresentadas e discutidas internamente, sob o lema de já terem sido superadas.



Quero aproveitar para deixar nítido que não há como separar concepções políticas de crenças nos indivíduos. A visão de mundo e vida são influenciadas pela nossa subjetividade, que carrega conteúdos da ordem emocional, espiritual, ideológica e cultural. Logo minhas concepções partidárias e minhas crenças espirituais, ora influenciadas por noções socialistas e anticapitalistas, ora pelas doutrinas e experiências coletivas religiosas propiciaram a constituição desse indivíduo em muitos momentos paradoxal, mas com uma chama viva no peito e atitudes cotidianas em defesa de um outro mundo, mais justo, fraterno e menos desigual. Não sou homofóbico por ter o direito de ver na prática homossexual algo contrário a minha concepção de mundo, mas isso nunca me levou a tirar, restringir ou oprimir indivíduos que tem todo direito de viverem do jeito que bem entenderem, afinal nós prezamos pelo livre-arbítrio e desejamos que as pessoas sejam felizes e não oprimidas. No meu entender, o sectarismo em alguns setores na luta LGBTT não entendia que eu não tenho a obrigação de fazer apologia à prática homossexual e meu compromisso é lutar contra as agressões sofridas por indivíduos que adotam essa opção sexual. Defendo que a atual redação do PLC 122 não cumpre o papel de luta contra homofobia, mas se conforma em um instrumento de evidenciação de setores do movimento às custas do cerceamento do livre direito de opinião e crença dos cristãos, mas sempre respeitei a posição oficial do partido, apesar de não admitir a tentativa de silenciamento de minha avaliação sobre o projeto. Trincheiras foram esboçadas para tentar erigir no meio da sociedade, e dentro da própria esquerda, discursos carregados de rancor aos cristãos, agressões descabidas a simbologia e crença (como na parada gay que utilizou indevidamente representações dos santos católicos de forma sensualizada) e nas avaliações pouco aprofundadas contra as 'Marchas para Jesus", além de disparos e agressões de forma indiscriminada a todos aqueles que reivindicam o Protestantismo. Evidentemente, que há homofóbicos entre nós, como em qualquer setor da sociedade, mas não podemos lançar todos na mesma vala. Isso só serviu para fazer auto-proclamação de setores que buscam reafirmar identidade e presença na sociedade a partir da diferenciação agressiva e atentatória aos diferentes.

A esquerda brasileira ainda carece de maior tato no diálogo com cristãos, evangélicos, espíritas e muçulmanos. Se não tivermos a coragem e a tolerância no debate com esses setores, iremos mais uma vez perder um enorme contingente da classe trabalhadora para setores que não estejam comprometidos com o povo, mas que sabem respeitar seus credos e não colocam como central de sua política essas divergências religiosas, que devem ficar no âmbito particular.



Fiquei profundamente preocupado ao perceber que o veto à Marina nos primeiros debates tinha, mesmo que não declarado, ranço religioso. Fiquei indignado com a política de veto à figuras como Rose Bassuma só pelo fato de ter posição contrária a legalização do aborto. Inúmeras desculpas foram forjadas para justificar o injustificável, vetar quem pensa diferente. Venho acompanhando a atuação no Congresso Nacional dos parlamentares do PSOL que vêm adotando posições compromissadas com projetos autoritários e sectários como o PLC 122 e pela aprovação do famigerado “kit-gay”. Nas intervenções é notório o forte apelo anti-evangélico que transformou o partido em instrumento de um velado ateísmo preconceituoso e decidido a ser porta-voz de setores mais sectários dentro do movimento LGBTT.



Desde o tempo de militante do PT fui contra a legalização do aborto e sempre defendi que essa posição é de fórum íntimo e não pode ser encarado como central na política. Respeitei a decisão tomada pelo partido em congresso, mas não abandonei o meu direito de querer debater o assunto internamente. A posição oficial do partido sempre foi transparecida por mim, mas acompanhada de minha posição individual. Em nítido objetivo de transformar esse assunto como central em quase todos os debates, setoriais partidários levaram-me a compreensão de que se tratava de mais um movimento em busca de reafirmação identitária enquanto setorial, baseado mais uma vez na estratégia da afirmação das diferenças e no levantamento de trincheiras autoritárias que só permitiam definir que seria a favor ou contra, algo muito simplório para o complexo tema do aborto.



No campo da política geral, inegavelmente o partido manteve valorosa e positiva postura de nítido combate a corrupção, pela auditoria da dívida pública e recentemente contra o Código Florestal que ameaça nossas florestas. Na Bahia, as candidaturas de Hilton Coelho e Marcos Mendes foram acertadas quando buscaram capitanear a revolta do povo e ao denunciarem a ingerência de grupos econômicos sobre governos que durante suas gestões acabam perdendo sua autonomia política para implementar projetos a serviço da maioria de nosso povo. Espero que esse ambos lutadores, Marcos Mendes e Hilton, possam ocupar as cadeiras de Câmara na próxima vereança.



Relutei, relutei, mas não me vejo mais no PSOL. Resolvo me desfiliar de um partido que aponta para duas possibilidades desastrosas: ou irá cair no pragmatismo eleitoral adaptado à ordem, ou se tornará mais uma legenda doutrinária incapaz de se forjar como real alternativa para classe trabalhadora, apenas falando para os seus militantes. Como cristão, também vejo que não há espaço para nós e entre negar a minha fé e continuar nesse partido, prefiro ficar com a primeira.



Espero que ao deixar esse projeto partidário não signifique perder o apreço e a amizade de inúmeros companheiros e companheiras de luta que mesmo discordando de minhas posições, sabiam me respeitar e considerar como companheiro de vida. Não abandono a luta, visto que permanecerei nas batalhas de nosso povo, ora reivindicando direitos e lutando por avanços em minha categoria de trabalho, ora fortalecendo instrumentos independentes, não partidários, de organização dos trabalhadores como a INTERSINDICAL.



Essa decisão veio a se consolidar ao perceber que devo contribuir na resistência de projetos cruciais em nossa sociedade, como a afirmação da família. Em crise, os laços familiares sofreram com o intenso processo de desintegração, suprimindo a possibilidade de melhor qualidade de vida. O materialismo secularista induziu o homem a consolidar aquilo que há de pior entre os indivíduos: a cobiça desenfreada de auto-realização e exacerbada busca por prazer imediato-individualista. A obsessão desenfreada pela aquisição de bens e o intenso ritmo de concorrência econômica, relegaram a família a um projeto de simplória importância na vida das pessoas. O desequilíbrio promovido pelo individualismo hedonista e materialista não poupou nem a nossa sobrevivência ambiental, em flagrante desrespeito a natureza presenteada pelo Nosso Criador, tão ameaçada em nossos dias. Pretendo agora jogar peso em ações desenvolvidas por agrupamentos sociais ligados a minha igreja, além de minhas atividades espirituais que visam aprofundar as relações de solidariedade e fraternidade entre os indivíduos próximos de nós, buscando também favorecer a ampliação do nível de conscientização social crítico-coletivista próximo da realidade descrita em Atos dos Apóstolos 2:42.



Continuo na minha intransigente fome e sede de justiça, lutando com aqueles que sofrem e são diariamente consumidos por uma ordem social consumista, egoísta e opressora. Por inclusão social, contra preconceitos, pela reafirmação democrática, pela reforma agrária necessária e por reformas sociais que promovam maior distribuição de renda e por um desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável. Um forte abraço a todos!

“Vi as lágrimas dos oprimidos,

Mas não há quem os console;

O poder está do lado

Dos seus opressores,

E não há quem os console.” Eclesiastes 4:1





Salvador, 16 de janeiro de 2012.

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